Conversas sobre literatura, livros, escrever e ler

"Há semanas que, salvo duas breves interrupções, não pronuncio uma só palavra; a minha solidão fecha-se, enfim, e estou no meu trabalho como o caroço no fruto." René Maria Rilke

"A solidão que acontece ao escritor por força da obra revela-se nisto: escrever agora é o interminável, o incessante." Maurice Blanchot

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A canalhice premiada

Quando eu era adolescente (e nisso lá se vão alguns anos), o final do ano era de espera. Era a época em que a leva de compositores mais fantástica que este país já teve lançava seus LPs (para quem não sabe, uns CDs enormes que cabiam menos música, mas que tinham um charme insuperável). Era uma turma bacaninha, no mínimo: Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano e Gil. A espera, na maioria das vezes, valia.

Fui transitando por minhas paixões, e não só na seara da música: João Bosco, Mario Vargas Llosa, Saramago. Ultimamente, um escritor que me deixa num estado parecido é o Ian McEwan. Trata-se de um britânico nascido em 1948 e que escreve romances memoráveis. Dele destaco "Na praia", por exemplo, e "Reparação", que foi (muito bem) adaptado para o cinema, com o título "Desejo e reparação": se vir este DVD na locadora mais próxima, não deixe escapar.

Agora, o sujeito lançou um novo romance: "Solar". Conta a história de Michael Beard, um sujeito que, vinte anos atrás, ganhou o Nobel pela descoberta d Coflação, um negócio que eu deixo para vocês entenderem nas palavras do próprio McEwan, que fez um pesquisa porreta na área. Do prêmio para cá, o personagem se transformou num pária da ciência: gordo, desleixado, pouco se importando com o futuro do planeta, área em que foi notabilizado pelo Nobel.

O livro tem de tudo um pouco: adultério, morte, ameaças. Lido assim, parece resenha de produto de um Sidney Sheldon, o que não fala a verdade a respeito do romance. Além de putamente (perdão, o advérbio é perfeito) bem escrito, nele o autor desfia toda sua capacidade de contador de histórias e de prospector da alma dos homens. Sobretudo dos homens mais canalhas que você puder imaginar.

O final é magistral, a cena que encerra o livro é digna de eternização em museu de cera, sei lá.
O escritor está entre os "grandes" da literatura contemporânea, e não à toa.
Se puder, leia.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Há esperança

O livro atende pelo nome de Clube do livro. Só isso já me faria voltar os olhos para ele com mais atenção, como se sua capa reluzisse para mim de um modo diferente. Então, li o subtítulo: ser leitor - que diferença faz? 
Foi amor à primeira vista.
A autora é a Luzia de Maria, doutora em Letras pela USP e atualmente professora da UFF. Minha conterrânea, essa niteroiense começou em 1982 um tal "clube do livro" com seus alunos de uma escola pública antiga de Niterói, o Liceu Nilo Peçanha (aliás, minhas irmãs, mais velhas que eu, estudaram no Liceu). 

Batalha sem perdedores, entre amigos. Tratava-se, num lado do ringue, de uma professora apaixonada por leitura e livros e, do outro lado, de alunos sedentos de aprender de uma forma mais prazerosa do que naquelas preleções maçantes com regras gramaticais brotando feito coelhos pela boca do coitado do professor que fica lá na frente.

Também sou professor. No fundamental. E sei o quanto é chato para os alunos terem aulas gramaticais. Sempre disse a eles que um bom livro lido com atenção vale por uns três meses de aula careta. Que a leitura te deixa mais capaz de ler - não só livros, mas o próprio mundo, como um texto. Em resumo, um bom leitor está apto a ser um bom interpretador do mundo, um sujeito crítico que terá menos chance, por exemplo, de ser emgambelado por qualquer político. 
O saber é porreta mesmo.

Mas voltando à Luzia de Maria e a seu livro delicioso: o objetivo do clube do livro era formar leitores. E a Luzia conseguiu. E conta isso, inclusive com direito a uma história que se passou com ela. Já conto. Vou buscar um café.

Imaginem. Prova de redação de vestibular. Na sala, a própria Luzia prestava a prova. Não vou dizer o ano para que ninguém faça a conta e tente descobrir a idade da moça. O tema da redação era baseado numa frase do Rui Barbosa: "A regra da igualdade não é senão quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam". Só uma aluna começou a escrever a redação. Os demais, pasmos, incapazes de entender aquela palavra, "quinhoar", estatelavam-se frente à página em branco. Até que um candidato mais corajoso pediu:
- Dava pra dizer o que é quinhoar?
Impasse. 
Os professores que faziam as vezes de fiscais do vestibular conversam e, mantendo o impasse, resolvem ver onde poderiam encontrar um dicionário. Vexatório é pouco! Mas antes que o pai dos burros fosse buscado, aquela aluna, que já terminava o segundo parágrafo, levantou o dedo e sugeriu:
- Eu sei o que significa quinhoar. Posso falar?
Aliviados, os fiscais permitiram. 
- Quinhoar é repartir, partilhar, premiar, recompensar...
E destilou mais um sem-número de significados para o verbo.
A candidata sabida era a Luzia, a autora.
Moral da história? Deixa disso, histórias com moral são sempre chatíssimas. Mas há uma conclusão.
Ela sabia o significado de quinhoar, sim, mas não porque era uma rata de dicionários. Sabia porque era uma leitora. E quando estamos lendo e nos deparamos com uma palavra que não está no nosso vocabulário, tentamos adivinhar seu significado pelo contexto. Na segunda vez que a lemos, a coisa já corre mais tranquila. Na terceira, a palavra já foi incorporada.
Foi assim.

A historinha serviu só para dar água na boca e acender a vontade de quem lê o blog (os cinco leitores, se tanto, de que Machado falava). O livro é porreta, indispensável para quem ama livros, é doido por literatura, é professor ou se interessa pelo assunto.

Acima de tudo, o livro é porreta porque trata de uma coisa que sempre chamou a atenção do homem: a paixão. No caso, não a paixão amorosa e romântica, mas a paixão pelos livros, pela literatura. e pelo encantamento daí resultante Pelos universos em que ela nos permite adentrar, pelas experiências que adquirimos quando no exercício da leitura. Pelo prazer de estarmos lendo o mundo, de termos a oportunidade de lermos mundos diferentes do nosso.


Feliz ano noivo

Feliz ano noivo? Rapaz, o cara que escreve este blog errou de dedo, alguém poderá pensar. Mas pensaria errado. É noivo mesmo.Ano novo, amor novo. Oi noivo.

Logo nesse iniciozinho de ano, volto a escrever no Caroço. Afinal, o mestrado acabou. E, com ele (ou melhor, sem ele), o tempo esticou. 
Terei tempo agora para escrever sobre o ler e o escrever.

Aguardem.
O Caroço voltou. Palavra de escoteiro.

Feliz 2011.