Conversas sobre literatura, livros, escrever e ler

"Há semanas que, salvo duas breves interrupções, não pronuncio uma só palavra; a minha solidão fecha-se, enfim, e estou no meu trabalho como o caroço no fruto." René Maria Rilke

"A solidão que acontece ao escritor por força da obra revela-se nisto: escrever agora é o interminável, o incessante." Maurice Blanchot

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Dois na cabeceira


Confesso que a escolha foi baseada no resultado do Prêmio Jabuti. Mas isso sempre acontece com loucos que, ao mergulharem num mestrado, perdem todos os lançamentos dos últimos meses. Aí, prêmios como o Jabuti tornam-se paradigmas legais.

Mestrado. Um dia acaba.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tolos Nobéis

"Pela primeira vez tragava com seus olhos escancarados o abismo abaixo de si."
(O túnel - Friedrich Dürrenmatt)


Em dias de divulgação esfuziante do Nobel da Paz para um presidente norte-americano, pretendo me afastar o mais possível do efêmero. Prefiro pensar em coisas que apresentem uma mínima possibilidade de tocarem o eterno: um bom romance, que sempre será relido, mesmo daqui a vinte, quarenta anos; uma música que nos tira os pés do chão e nos lembra de que o mundo não está tão à beira do abismo quanto proclamam os telejornais; um poema que nos faz sentir banhados pelo sagrado, seja lá o que isso for. Prefiro pensar no que vale a pena.

E vale a pena falar de um escritor pouco conhecido pelos ares de cá. Atende pelo nome de Friedrich Dürrenmatt, um dramaturgo e contista que nasceu em 1921 na Suíça e já foi pro andar de cima (ok: "para um outro andar") desde 1990.

Se não fosse pelo cuidado e pelo carinho de minha amiga Angela Duarte, a preciosidade jamais me chegaria às mãos, como presente de aniversário, cinco anos atrás. O livro de Dürrenmatt traz apenas três narrativas curtas (A pane, O túnel e O cão), mas eu pretendo aqui tratar apenas daquela que me pareceu mais surpreendente: "O túnel", conto de 1952 reescrito pelo autor em 1978.

São quinze páginas de narrativa com aceleração constante, até o ponto em que, de tão veloz, nada da paisagem se pode vislumbrar. Uma bela alegoria para o século XX ou uma profecia para este nosso terceiro milênio de muros derrubados e ideologias fraturadas?

A história: um homem de vinte e quatro anos todos os domingos pega um trem. A viagem dura quase duas horas e o comboio passa por diversos túneis. A Suíça, aprende-se no conto, é o país com maior quantidade de túneis no mundo. Pois bem, o nosso protagonista, que começa e termina o conto sendo apenas designado como "homem de vinte e quatro anos", e que portanto é mais um rosto na mistura de rostos, naquele domingo à tardinha entra no trem lotado e consegue por milagre um lugar para se sentar. Acende seu cigarro e, alguns minutos de trem em movimento depois, percebe que o comboio entrara num túnel. Nada mais normal, aquela viagem era coalhada de pequenos túneis. Só que lhe pareceu que aquele túnel estava demorando mais do que o normal. Seria falta de atenção sua nas demais viagens, ou algo de fato tremendamente estranho estava ocorrendo ali?

A angústia do homem de vinte e quatro anos vai aumentando, potencializada pelos outros passageiros, que não se apercebem do fenômeno estranho. A narrativa avança como um duplo do comboio em sua viagem zunente túnel adentro. O túnel então passa a descer e o desespero do personagem exponencia-se. O que era antes uma viagem túnel adentro, passava a ser uma queda em direção às entranhas da Terra, o trem entra veloz num mundo de pedra que ninguém sabe onde, e se um dia, vai acabar.

Num ponto da narrativa, o protagonista pensa com seus botões: "Aparentemente nada havia se alterado, mas na verdade o poço já nos havia engolido para suas profundezas". E a chave do conto se descortina, com todas as suas possibilidades de interseções filosóficas, denunciando uma humanidade perdida, sem percepção do rumo que está dando a si e a seu planeta.

Poderia parar por aqui, por crer que você, leitor, possui atributos o bastante para estabelecer possibilidades de interpretação com muito mais competência que eu, mas não resisto à tentação de pincelar algumas possibilidades de boas conversas de botequim que poderão ser cometidas por conta da leitura desse conto: o mundo veloz atordoando-nos e impedindo-nos de perceber detalhes do caminho que percorremos; nossa incapacidade de assumir os riscos de nossas escolhas; a impossibilidade de um mundo que já há muito foi violentado o bastante por uma humanidade que não se percebe como sua principal predadora, mundo que, sem possibilidade de reestabelecimento de seu equilíbrio, termina por ludibriar a todos com uma ilusão-Matrix de que ainda há salvação; nossa absoluta incapacidade de perceber nosso lugar no mundo; igualmente nossa incompetência em transformar o que está à nossa volta, mesmo diante da certeza de que, essa não-transformação certamente redundará em nosso fim.

As possibilidades interpretativas do conto que levantei parecem todas taciturnas, concordo. Talvez eu esteja numa tarde particularmente lúgubre, sabe-se lá. No entanto, uma obra literária, quando bem tecida, como esse conto, sempre me faz acreditar. Não acreditar em prêmios Nobel da Paz, sorteados politicamente, ou na salvação redentora da raça humana, que é querer demais, mas no quê de sagrado que há em toda escritura - e aqui falo de escrituras laicas como esse conto. O que chamo de "sagrado" nada tem que ver com religiões ou deuses, mas num movimento de sublimação advindo da experiência da leitura de uma bela obra. Obra que sempre merecerá de mim grandes e efusivas saudações.

Ave, Dürrenmatt.
PS: Ah sim. E obrigado pelo presente, Angela.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Como era gostoso o meu francês

Para quem quer entender Blanchot, leia o capítulo sobre o canto das sereias.
Imperdível, esse francês... estou relendo devagar.